Fiquem tranquilos.
Não é uma newsletter sobre política. É sobre comunicação, influência e seus resultados.
Preciso apenas dar uma rápida contextualizada antes de desenvolver a minha provocação de hoje.
Estamos acostumados ao termo Três Poderes, para identificar a atuação pública do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Está no nosso vocabulário e temos uma imagem do que são, apesar de poucos de nós se preocupar em entender com mais clareza e profundidade como os três funcionam. Fica a dica.
Claro que em algumas situações este cenário equilibrado deixa de existir. Em regimes totalitários, como em alguns países da América Latina, ou teocráticos, como vimos em alguns países árabes, os Poderes Legislativo e Judiciário são fortemente influenciados ou mesmo exercidos pelo Poder Executivo. Mas este é um desvio da democracia moderna, que prevê o equilíbrio e a isenção entre os poderes, extremamente estruturados, regulamentados e auditados.
No período de império no Brasil, havia um Quarto Poder, o Poder Moderador, que era exercido pelo Imperador, com o objetivo de manter o equilíbrio entre os poderes, mas foi extinto logo após a proclamação da República, por motivos óbvios rs
O Quarto Poder que quero falar é a imprensa, que passou a ser assim chamada em meados do século XIX, quando trouxe para si uma função parecida com a do nosso Imperador: evitar abusos dos Três Poderes, buscando manter a democracia em equilíbrio.
Aqui começo a trazer minhas provocações.
Cada jornalista, cada editor, cada empresário do segmento jornalístico tem uma visão de mundo, uma crença, um viés e é extremamente difícil não colocar isso num texto. Se é um artigo, um texto de opinião, este viés é necessário, até obrigatório. Mas ao se transmitir uma notícia, a narrativa tem que ser isenta, sem comentários ou vieses. Com o tempo, a sociedade passou a entender que o jornal A tem uma visão mais à direita e o jornal B mais à esquerda, e passa a ler com ressalvas, o jornal com visão diferente da sua. Mas é algo explícito.
Recomendo sempre que se leia as duas visões, mesmo que discorde muito de uma delas.
Desde que eticamente estruturadas, ajudam a construir a nossa visão, independente de como enxergamos o mundo. É algo dinâmico e precisamos “calibrar” nossas crenças e como enxergamos o mundo ao longo do tempo.
Também é “dentro” do Quarto Poder que a publicidade acontece e durante o século XX passamos a vê-la se “travestir” de notícia para levar mais credibilidade à mensagem, o que nem sempre era – ou é – percebido pela audiência.
Com o surgimento da internet, surge um novo e não regulamentado ambiente, perfeito para quem deseja se expressar, mas não tem condição de arcar com os custos de montar uma empresa jornalística. Inclusive o termo blog surgiu da iniciativa de um programador que começou a divulgar sua opinião e visão sobre o conflito na Palestina no seu diário de bordo digital, seu weblog, rapidamente reduzido para blog.
Também sites e portais passaram a oferecer conteúdo no formato jornalístico, alguns deles sem a estruturação anterior e, de forma intencional ou não, passam a entregar textos com um forte viés, como se fosse uma matéria isenta ou cuidadosamente apurada.
Pois é exatamente a internet, esse ambiente caótico, onde todos são fonte, todos são veículo (multiplicadores) e todos são audiência, que se transforma no Quinto Poder.
Todos os poderes na democracia têm a necessidade de construir uma narrativa, um storytelling, um copydesk, para atrair e engajar pessoas que pensem e enxerguem o mundo da mesma forma. Assim você atrai os que pensam igual, identifica e argumenta com os que pensam diferente e cria um ambiente propício ao diálogo, à discussão de propósitos, projetos, e futuros que desejamos para a sociedade em que vivemos (e consumimos).
Um case emblemático sobre o uso correto das redes sociais foi a primeira campanha presidencial de Barak Obama, que se tornou um divisor de águas no uso da internet pelos políticos.
A grande diferença é que os três poderes são burocraticamente estruturados para que possam coexistir e o quarto poder é regulamentado e passível de auditoria (quase sempre).
Quando levamos para a internet, o Quinto Poder ainda não está regulamentado em sua totalidade e ainda permite a construção de narrativas falsas, escritas como notícias. Bem-vindos à era das fake news.
Nunca o mundo esteve tão à mercê da construção de narrativas distorcidas, fora de contexto ou mesmo falsas, propagadas como forma de influenciar pessoas e manipular grupos, como o que acabamos de presenciar estarrecidos, em Brasília, com a invasão e depredação dos prédios símbolos dos Três Poderes.
O ponto central é que não estávamos prontos para termos acesso a tanta informação e ainda não desenvolvemos mecanismos de defesa, que possam nos proteger desses interesses enviesados.
As redes sociais, criadas pela tecnologia, possuem a capacidade de reter a atenção do usuário, levando-o de um lado para outro em piscinas infinitas, sem que ele perceba. O termo foi cunhado por Jake Knapp e John Zeratsky em seu livro Faça Tempo.
Na mesma linha, o aprimoramento na redação dos textos traz gatilhos mentais como escassez, comunidade, urgência, exclusividade entre outros, levando o visitante do site ou perfil a uma sensação angustiante de reação ao estímulo do texto. O conceito é de 1984, de Robert Cialdini em seu livro As Armas da Persuasão.
Junte a isso os algoritmos das empresas de tecnologia e temos a tempestade perfeita!
Presenciamos isso nos últimos dez anos pelo mundo, com a amplitude sem profundidade das relações digitais permitindo que pessoas, entidades e empresas se beneficiem disso: desde a propaganda que exagera nos benefícios do remédio ou na qualidade do produto tecnológico, passando pela foto retocada no app de relacionamento, chegando no discurso nem tão verídico do político.
Por um lado empresas criando ambientes onde seu cliente tem um canal direto de informação e relacionamento, e de outro exagerando nos atributos e criando armadilhas mentais para a venda.
Candidatos políticos, alguns usando a internet de forma correta, para aumentar o alcance de sua voz, e outros de forma leviana, denegrindo a imagem de seus opositores com narrativas não fundamentadas.
Músicos e bandas encontram o ambiente perfeito para divulgar sua arte, e de outro lado, se apropriam da arte alheia sem o devido crédito ou contrapartida.
Pessoas buscando relacionamentos e contato com outras pessoas por objetivos comuns, como hobbies e temas de interesse, e outras criando personagens fictícios para enganar ou prejudicar outras pessoas.
A última pitada desta receita explosiva vem de um comportamento que une os mais jovens e os mais velhos: a propagação de notícias, sem verificação prévia, em seus círculos de relacionamento, em suas redes sociais, fortalecendo e blindando a bolha já criada pelo algoritmo. Uma combinação explosiva, radical e excludente, gerando a percepção de fatos, ações e ambientes inexistentes.
O ser humano é social. Todos querem fazer parte de algo, pertencer a um ou mais grupos: do futebol, da faculdade, da igreja, do trabalho e busca na tecnologia uma forma de estreitar este relacionamento, esta participação.
Que tenhamos habilidade, transparência e determinação ética para revertermos esta situação de cisão política e social em nosso país – e no mundo – aprendendo e reescrevendo a narrativa para que possamos nos aproximar de forma empática e tolerante, buscando soluções e não culpados, tornando o mundo e, principalmente o nosso país, um lugar melhor.
Pode parecer utópico, mas as armas tecnológicas estão em nossas mãos e não têm custo.
Só precisa de ação! Vai se omitir?
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